domingo, 8 de fevereiro de 2009

Tratamento Cirúrgico da Hérnia do Trabalhador direcionado para o melhor resultado do indicador "tempo de retorno ao trabalho" .

Introdução

“A grande proporção da humanidade que é atingida por esta queixa, a grande variedade de formas nas quais se manifesta, a fatalidade que resulta dos seus tratamentos inapropriados e os amplos recursos da cirurgia em prevenir suas temíveis conseqüências são circunstâncias que se combinam para dar à investigação da hérnia inguinal um peculiar interesse” (1). Esta declaração foi feita no início do século XIX por um cirurgião norte-americano, e ainda serve como introdução para um capítulo sobre o tratamento da hérnia inguinal.
Herniorrafia inguinal é um dos procedimentos mais realizados entre todas as cirurgias. Ao redor do mundo, algo como 20 milhões de herniorrafias inguinais são realizadas por ano. Nos Estados Unidos 700.000 mil hérnias são operadas anualmente. A principal significância destes altos números é que pequenas variações nos padrões de execução podem levar a enormes implicações socioeconômicas. Situações operacionais que incluem uma pequena percentagem das herniorrafias são importantes pois atingem um grande número absoluto de casos.
Este capítulo é propositadamente seletivo, pois aborda algumas poucas formas de corrigir a hérnia inguinal através de inguinotomia, mais comumente chamada herniorrafia aberta. Ainda que as principais técnicas que veremos aqui apresentadas sejam hernioplastias, pois têm no seu princípio corretivo básico o uso de tela sem tensão, usaremos uniformemente o termo herniorrafia pela sua tradição e abrangência.

Epidemiologia
Aproximadamente 96% das hérnias da região da virilha são inguinais e 4% femorais (2). Hérnias inguinais são mais comuns em homens (9 para 1) enquanto as femorais são mais comuns em mulheres (4 para 1), particularmente mulheres idosas (3). O risco de desenvolver hérnia inguinal durante a vida gira em torno de 25% em homens e menos de 5% em mulheres. A cirurgia da hérnia inguinal engloba um custo social significativo, particularmente quando se contabiliza os dias de afastamento do trabalho. O custo direto isolado com cirurgias de hérnia nos Estados Unidos é estimado em 2,5 bilhões de dólares por ano. Os custos indiretos são difíceis de determinar mas certamente adicionam valores substanciais.

Classificação e Patogênese
As hérnias inguinais podem ser amplamente classificadas quanto à sua patogênese em congênitas e adquiridas. Anatomicamente a classificação mais simples separa as hérnias em inguinal indireta, inguinal direta e femoral.
Hérnia inguinal indireta: na maioria da vezes é congênita, ainda que não apareça nos primeiros anos de vida. Surge a partir de um defeito da obliteração do processus vaginalis (conduto peritônio-vaginal), que segue o caminho realizado pelo testículo na sua descida até a bolsa escrotal ao nascimento. A hérnia inguinal indireta é a mais comum em homens e em mulheres, ocorrendo mais do lado direito. Ela tem na distensão do anel inguinal interno o meio de protrusão dos tecidos pré-peritoneais e intra-abdominais. Pelo anel inguinal interno o cordão espermático deixa o abdome nos homens, e o ligamento redondo nas mulheres. A hérnia inguinal indireta se localiza, portanto, lateralmente aos vasos epigástricos inferiores, em contraste com a hérnias direta, que se localiza medialmente a estes vasos.
Hérnia inguinal direta: manifesta-se através do triângulo de Hesselbach. Ela ocorre como resultado de uma fraqueza do assoalho inguinal profundo. Esta fraqueza tem vários possíveis componentes que se apresentam em conjunto ou isoladamente. São eles a inserção alta do músculo oblíquo interno e a desestruturação tissular dos elementos músculo-aponeuróticos (4). Esta última pode ter nas anormalidades da síntese do colágeno tipo I e III uma causa específica, que já foi relacionada ao aparecimento de hérnias em não-fumantes (5). A relação com esforço físico intenso e repetido não é clara (6). Outras causas externas têm mostrado alguma relação, como tabagismo e uso crônico de corticóides (7).

Apresentação Clínica
As hérnias inguinais podem manifestar-se clinicamente através de um conjunto de sintomas. Varia de um quadro assintomático até sinais francos de dor peritoneal, quando uma alça de intestino estiver encarcerada. O sintoma mais comum é uma sensação de peso localizada ou um desconforto indefinido, que se pronuncia mais aos esforços, após longos períodos em pé, durante a tosse e em outros aumentos da pressão intra-abdominal. Esta dor, de leve a moderada, é causada pela compressão do conteúdo abdominal dilatando o anel herniário, e até distendendo o nervo ílio-inguinal. Pouca pressão é requerida para criar desconforto, que desaparece cessando o esforço ou permanecendo deitado. O abaulamento na região inguinal é um sinal típico, que pode ou não ser acompanhado do desconforto descrito.

Diagnóstico
O diagnóstico da hérnia inguinal pode ser baseado na maioria dos casos em achados de anamnese e exame físico. A sensibilidade e especificidade para o diagnóstico pelo exame físico atinge 75 e 96%, respectivamente (8). Uma variedade de exames de imagem tem sido usada para avaliar a presença de hérnia em um quadro clínico duvidoso, principalmente ultrassonografia, ressonância nuclear magnética (RNM) e herniografia. A herniografia parece ser um exame eficiente nos casos de achados clínicos inconclusivos, e pode evitar algumas explorações inguinais desnecessárias (9,10). A sensibilidade e especificidade da ultrassonografia é relatada como sendo 90% e 82 a 86 % respectivamente (8,11). RNM parece ser capaz de diferenciar hérnia inguinal de hérnia femoral com alta sensibilidade e especificidade (>95%) (8).
Uma boa ferramenta diagnóstica pode ser desenvolvida em qualquer serviço, por exemplo, concentrando a experiência em um grupo definido de ultrassonografistas que mantenham constante troca de informações com a equipe cirúrgica. Um examinador experimentado fará grande diferença e conseguirá índices melhores do que a media da literatura.
Devemos sempre ter em mente que quando o diagnóstico for inequívoco pelo exame físico podemos dispensar os exames de imagem. Esta situação melhor se caracteriza quando tivermos um abaulamento inguinal causado por conteúdo herniário redutível facilmente visível e palpável. Os abaulamentos irredutíveis exigem mais rigidez na atenção aos diagnósticos diferenciais. Há que se ter vigilância no cumprimento dos protocolos de avaliação para não solicitar exames de imagem desnecessários, que não se coadunam com a literatura vigente especializada em hérnias inguinais.


Tratamento
Cirurgia comparada à observação vigiada: o tratamento definitivo de todas as hérnias é a cirurgia, independente do seu tipo ou origem (2). O prognóstico é geralmente excelente, com mínima morbidade e rápido retorno à vida normal. Mesmo em pacientes idosos os resultados precoces e tardios são muito bons, especialmente quando a anestesia local é utilizada. Este fato tem levado os cirurgiões a indicarem a correção operatória em todos os casos. As poucas comparações entre pacientes primariamente operados com outros que são apenas observados sustentam ainda mais esta postura.
Sabemos que o risco de encarceramento é maior logo após a hérnia se manifestar (12). A probabilidade de encarceramento diminui enquanto a hérnia aumenta em tamanho, pois quanto maior o diâmetro do anel herniário, melhor é a condição de redução do tecido protruído.
Os melhores dados que avaliaram uma estratégia de observação vigiada vieram de um estudo que randomizou 720 homens com hérnia inguinal e os dividiu em um grupo de observação e outro de herniorrafia com tela sem tensão (6). Com dois anos de seguimento não havia diferença entre os dois grupos no que se refere a dor limitante ou mudanças nos índices de qualidade de vida. Vinte e três por cento do grupo de observação foi operado em 2 anos, e 31% em 4 anos. O índice de complicações não foi diferente entre o grupo operado inicialmente e os operados tardios, pertencentes inicialmente ao grupo de observação. Complicações graves são raras mas podem ocorrer em grupos apenas vigiados. Os achados sugerem que preferir a estratégia de observação pode ser considerada em pacientes assintomáticos, tanto quanto eles estejam cientes do risco, embora pequeno, e entendam a necessidade de um rápido atendimento médico se os sintomas surgirem.
Uma idéia sobre este tema, entretanto, permanece imutável: é impossível atualmente identificar em qualquer grau de confiabilidade quais hérnias mais provavelmente manifestarão encarceramento ou estrangulamento.

Classificação de Hérnias Inguinais
Classificações na ciência e na medicina são importantes ferramentas de comunicação (13). Como tal, classificações eficientes de hérnias inguinais oferecem o seguinte:
· servem como ante-projeto anatômico para a dissecção e avaliação funcional do canal e seus componentes
· auxiliam em determinar o reparo mais apropriado para o problema em particular
· ajudam a correlacionar os sintomas pós-operatórios, duração da convalescença e grau de incapacidade
· permitem a correlação dos resultados pós-operatórios e seu seguimento de longo prazo com o problema original
Para cumprir as necessidades citadas acima escolhemos a classificação de Gilbert que se adapta bem à herniorrafia aberta.
Tipos 1,2 e 3 são indiretas; tipos 4 e 5 são diretas.
· Tipo 1: hérnias que têm um saco peritoneal passando através de um anel inguinal interno intacto que não permite a passagem de uma polpa digital (< 1cm); a parede posterior está intacta.
· Tipo 2: hérnias que têm um saco peritoneal passando através de um anel interno de uma polpa digital (· Tipo 3: hérnias que têm um saco peritoneal saindo através de um anel interno de 2 polpas digitais (>2cm). Freqüentemente são completas e têm um componente de deslizamento. Elas começam a destruir uma porção da parede posterior medialmente ao anel interno.
· Tipo 4: hérnias que apresentam uma destruição total da parede posterior ou múltiplos defeitos nela. O anel interno está intacto e não há saco peritoneal.
· Tipo 5: hérnias em recorrência junto ao tubérculo púbico ou hérnias diverticulares primárias da parede posterior. Não há saco peritoneal e o anel interno se encontra intacto.
· No caso de ocorrerem duas hérnias elas serão designadas separadamente (exemplo: Tipo 2/4).
· Descrições complementares são adicionadas para hérnias com lipoma, encarceradas, estranguladas, e com componente femoral.

Anestesia
A anestesia para cirurgia de hérnia inguinal pode ser local pura, local com sedação, peri-dural, raquidiana ou geral. A rotinização da anestesia local com sedação está crescendo em nosso meio, tendo sempre o anestesista como membro imprescindível da equipe médica, sedando o paciente de maneira harmônica com os tempos cirúrgicos. A anestesia local é a base principal do ato de livrar o paciente da dor operatória e a sedação é o complemento primordial. A sedação deve ser mais intensa na primeira metade do procedimento, onde a manipulação dos tecidos e a tração do saco herniário gera no paciente a percepção do ato operatório. Quando a colocação da tela se inicia, a anestesia local dispensa à sedação um papel mais leve.
Um estudo randomizado em 616 pacientes adultos submetidos a herniorrafia aberta em 10 hospitais avaliou a anestesia local, regional (condutiva) e geral (14). Ele concluiu que a anestesia local foi superior no período pós-operatório inicial. Os pacientes que receberam anestesia local tiveram menos dor pós-operatória, menos náuseas e menor tempo de permanência hospitalar (3.1 contra 6.2 horas com anestesia regional ou geral). Um índice menor de pernoites hospitalares também caracterizou o grupo da anestesia local (3% contra 14% na anestesia regional e 22 % na geral). Não houve diferença significativa entre os grupos após 8 e 30 dias. Os achados deste estudo têm se reproduzido usando anestesia local combinada com sedação, sempre que a sedação não utilize drogas com meia-vida longa, como por exemplo, benzodiazepínicos. A aplicação de propofol em infusão contínua alvo-controlada obtém os melhores resultados, permitindo aos pacientes alta hospitalar após 1 hora de permanência na sala de recuperação. O medicamento de eleição para a infiltração inguinal local e bloqueio dos nervos inguinais é a ropivacaína, devido à segurança na administração (baixa toxicidade), efeito vasoconstrictor que auxilia na hemostasia e permanência do efeito anestésico até 6 horas.

Técnica Operatória
A maior contribuição para as correções herniárias a influenciar os cirurgiões do nosso tempo veio de Bassini (15) em 1887. De forma inteligente repolarizou o músculo oblíquo interno e corrigiu a dinâmica muscular da região inguinal. O índice de recidivas, porém, permanecia alto em alguns trabalhos. Isto levou Shouldice (16) em 1944 a aplicar várias linhas de sutura obtendo poucas recorrências mas com reprodução difícil dos mesmos resultados em outros centros.
A herniorrafia aberta apresentada neste capítulo tem a inguinotomia como abordagem e a colocação de tela sem tensão como tratamento. As técnicas mais usadas que se adaptam a este protocolo são Lichtenstein (17), plug and patch (18) e tela tridimensional (bilayer mesh) (19). Estas técnicas que são aplicadas por inguinotomia em abordagem anterior ao assoalho inguinal têm um determinado número de passos iniciais em comum. Eles diferem em alguns detalhes mas a seqüencia que apresentaremos pode servir como guia, até a colocação da tela, com a técnica de preferência do cirurgião. Os passos finais que apresentaremos neste capítulo descrevem a inserção de tela tridimensional.
Passo 1: administração de anestésico local
Antes da antissepsia o traço da incisão deve ser marcada com caneta. Usamos uma solução de ropivacaína (20 ml a 10 mg/ml) diluída em 60 ml de soro fisiológico. A solução final tem ropivacaína a 2,5 mg/ml e um volume total de 80 ml . Aplicamos 20 ml a 1 cm e 3 cm medialmente à crista ilíaca ântero-superior no plano subaponeurótico com o objetivo de bloquear os nervos ílio-inguinal e ílio-hipogástrico. Lateral ao pulso da artéria femoral na altura do ligamento inguinal e no plano subaponeurótico infiltramos 10 ml da solução, com o objetivo de atingir ramos recorrentes do nervo gênito-femoral. Trinta ml são usados para infiltração da pele e tecido celular subcutâneo no local da incisão. Devemos aguardar 5 minutos para a absorção adequada do anestésico e o início do seu efeito pleno.
Passo 2: incisão
A marca da caneta na pele indica o local exato da incisão com bisturi de lâmina 15. Ela está paralela ao ligamento inguinal, 1 cm acima deste, se iniciando a uma polpa digital da margem lateral do tubérculo púbico, e progredindo lateralmente por 5 cm em direção à crista ilíaca-ântero superior. A incisão se aprofunda com cauterização dos vasos epigástricos superficiais, avança através da fáscia de Camper e Scarpa, até visualizar a aponeurose do músculo oblíquo externo.
Passo 3: complemento da anestesia local
Neste momento os 30 ml restantes da solução serão aplicados da seguinte forma: sob a aponeurose ainda intacta do músculo obliquo externo onde se verifica o leve abaulamento durante a infiltração, sobre o tubérculo púbico, e junto ao ligamento inguinal, um pouco acima deste, 3 cm medial ao tubérculo púbico. Este último movimento atinge o ramo genital do nervo gênito-femoral , enquanto por mais 2 minutos aguardamos que uma grande extensão dos nervos ílio-inguinal e ílio-hipogástrico fiquem banhados pela solução. Somente então incisamos a aponeurose do músculo obliquo externo abrindo completamente o anel inguinal externo.
Passo 4: mobilização das estruturas do cordão
As lâminas superior e inferior da aponeurose aberta são liberadas e afastadas. Os nervos ílio-inguinal e ílio-hipogástrico são indentificados neste momento. Eles devem ser afastados e preservados sempre que possível. Todavia se impedirem uma fixação adequada da tela é preferível que sejam seccionados. Sua inclusão em suturas ou sua tração definitiva pelos atos operatórios devem ser cuidadosamente evitadas. O cordão espermático agora passará a ser isolado com uma manobra que usa pinças curvas, pois a incisão pequena não permite usar o dedo. Um dreno de Penrose é usado para tracionar levemente em direção à coxa.
Passo 5: divisão do músculo cremaster
Ele deve ser dividido longitudinalmente na face ântero-medial, passo facilitado pela tração inferior do dreno de Penrose em direção à coxa. Freqüentemente nas hérnias indiretas encontramos um lipoma de gordura pré-peritoneal lateralmente ao saco herniário, protruíndo pelo anel inguinal interno. O lipoma será seccionado com eletrocautério ou ligado com fio cirúrgico se necessário. Ântero-medialmente encontraremos o saco herniário indireto (Figura 1). Não raro, nas hérnias grandes, com lipomas avantajados, este passo de divisão do músculo cremaster deve ser feito antes de isolarmos o cordão espermático, com o fim de criar espaço no campo operatório e assim, após a retirada do lipoma e redução completa do conteúdo herniário o isolamento do cordão espermático torna-se facilitado .
Figura 1: cordão espermático tracionado inferiormente, músculo cremaster aberto e saco herniário aparente em posição ântero-medial.


Passo 6: dissecção alta do saco herniário
É um passo chave para uma bem sucedida inserção da tela tridimensional ou plug. O saco herniário, direto ou indireto, deve ser dissecado até ultrapassar os limites do músculo obliquo interno, ou seja, chegando até o pré-peritônio (Figura 2). No caso da hérnia direta, quase sempre temos uma camada de tecido correspondente à fascia transversalis enfraquecida cobrindo a gordura pré-peritoneal. Ela deve ser incisada para acessarmos a gordura pré-peritoneal em tom amarelo típico. Neste momento uma gaze é introduzida pelo orifício herniário de forma a criar mais espaço no pré-peritônio para acomodar a tela posterior.

Figura 2: redução do saco herniário.

Passo 7: manejo do saco herniário ínguino-escrotal
Sempre que o saco hérniário apresenta-se fácil de descolar dos elementos do cordão ele sera adissecado completamente. Nos casos, entretanto, que ele for muito longo, alcançando o testículo ele poderá ser seccionado em fase mais proximal, reduzindo o tempo cirúrgico, diminuindo a superfície de descolamento , e tornando menor a chance de lesões dos elementos do cordão. Contrário à opinião de muitos cirurgiões, o saco peritoneal distal remanescente não resulta em excessiva formação de hidrocele pós-operatória.

Passo 8: inserção da tela tridimensional
O dispositivo tridimensional é formado por uma tela plana externa, uma tela plana interna ( bilayer mesh) e um conector cilíndrico. A tela é preparada segurando-se a porção plana externa dobrada em uma pinça de anel. O dispositivo de tela será totalmente introduzido no pré-peritônio e logo depois tracionado. A tela externa é então aberta com pinças e a tela interna deverá ter suas bordas invertidas empurrando-se ao redor do conector com o dedo ou com pinça (Figura 3). Com esta manobra a tela interna deverá ficar o mais plana possível, colada uniformemente na face posterior do assoalho inguinal, e sempre com as bordas voltadas para dentro (Figura 4). Procurar sempre que possível não ligar os vasos cremastéricos. Eles são às vezes calibrosos e se projetam medialmente por sobre o tubérculo púbico. Sua abordagem deve ser apenas com o intuito de afastá-los, separando-os da face posterior do cordão espermático. A janela resultante sob o cordão deixa acomodar a tela que deverá repousar sobre o tubérculo púbico com os vasos espermáticos sob a tela. Assim respeitamos um princípio fundamental que é o de dissecar, seccionar e ligar uma quantidade minima de tecidos da região inguinal como um todo. A tela externa sofre um pequeno corte com tesoura na direção do ligamento inguinal para acomodar o cordão. Este passa agora a ser tracionado para cima, na direção da cicatriz umbilical. O primeiro ponto é dado fechando o corte da tela e suturando ao ligamento inguinal, formando um novo anel inguinal interno. O fio usado é de poligalactina, de lenta absorção, número 0. O cordão agora deve ser tracionado novamente para baixo, e mais três pontos são aplicados: na superfície do músculo oblíquo interno dois pontos, e sobre o tubérculo púbico um ponto.
Figura 3: posicionamento da tela posterior.


Figura 4: posição final da tela externa (1), tela interna (2) e conector (3).

Complicações
Dor Crônica Pós-operatória: com o desenvolvimento das técnicas com tela sem tensão os indices de recorrencia têm diminuido e assim, a dor crônica pós-operatória surge como uma das complicações mais relevantes. Elas podem se dividir em três grupos:
1. dor somática: a forma mais comum; geralmente relacionada a lesão ligamentar ou muscular causada pela cirurgia, tecido cicatricial, pubite, e reação ao material prostético. Suturas contínuas e pontos em excesso.
2. dor neuropática: é relacionada diretamente ao dano nervoso. O diagnóstico acurado é importante pois se houver inclusão de nervo em sutura ou clipagem o tratamento cirúrgico deve ser disponibilizado. Em casos de sintomas mais leves e suportáveis a infiltração com anestésico e corticóide pode dessenssibilizar o neuroma formado. A neuropatia é geralmente assinalada por dor ou parestesia, e como os nervos apresentam áreas sensitivas de intersecção, pode ser difícil determinar qual nervo está lesado. Os mais atingidos são o ílio-inguinal, o ílio-hipogástrico, os ramos do gênito-femoral e o cutâneo-lateral da coxa.
3. dor visceral: é relacionada à função de uma víscera especificamente, como por exemplo dor ao urinar.
Recorrência: até o momento existem poucas dados que trazem sustentação na comparação dos índices de recorrência das cirurgias abertas com tela e sem tela (14). Uma tentativa de meta-análise concluiu que o reparo com tela estava associado com menos recorrência, mas os autores chamaram a atenção para o pequeno número de trabalhos envolvidos no estudo (20). Foi encontrada uma revisão mais recente, com 26304 herniorrafias, que ratificou o achado da meta-análise concluindo que o reparo com tela gerou menos reoperações que a cirurgia sem tela (21).
Outras complicações: orquite isquêmica e atrofia testicular, hematoma, osteíte do pubis, infecção e complicações relacionadas à tela (reação de rejeição ou fenômenos alérgicos são possíveis mas extremamente raros).

Conclusão
A hérnia inguinal é uma doença que pelas suas características limitadoras, e ao mesmo tempo pelo alto índice de ocorrência na população caracteriza um problema de saúde pública. É uma patologia de tratamento eminentemente cirúrgico e assim permacerá sendo, pois uma deficiência que combina disfunção com destruição estrutural necessita de reparos mecânicos. A forma de aplicar o reparo mecânico, esta sim, é que tem sido alvo de muitos estudos. Ela tem se desenvolvido sobremaneira com o surgimento de novas próteses, telas com materiais mais fáceis de trabalhar, absorvíveis, com reações inflamatórias mais previsíveis dentro das fases da cicatrização. Outros mecanismos alternativos às telas, como colas biológicas e formas de abordagem menos agressivas ao paciente estão sempre em estudo. A cirurgia da hérnia inguinal deve caminhar para o sentido de curar a hérnia e não simplesmente cobrir um defeito na parede muscular. A cura da hérnia é um conceito mais amplo, que abrange além da eliminação do defeito herniário, o retorno rápido às atividade integradoras do indivíduo na sociedade. A idéia da preservação máxima dos tecidos e de estruturas que não compõem o mecanismo patológico, por si só, diminui o trauma cirúrgico gerando menos dor e menor exposição dos tecidos à infecção. A prevenção da dor crônica incapacitante, a ausência de recorrência e a ausência de sofrimento traumatizante também caracterizam o paciente curado.
A busca deve ser incessante por melhorias técnicas que resultem em recuperação mais rápida dos pacientes, redução de riscos para todas as idades e situações clínicas, e tudo isto com curvas de aprendizado menores para os cirurgiões.
Percebemos também que devemos curar a hérnia inguinal sem expor o paciente a riscos que estejam em desequilíbrio com o porte da correção necessária. Sempre que as vantagens forem pequenas entre um método e outro, opta-se pelo que apresenta o menor risco de complicações graves. A anestesia local combinada com sedação tem crescido em uso e em estrutura farmacológica. A abordagem videolaparoscópica, que é feita sistematicamente com anestesia geral, tem sido usada hoje nos Estados Unidos em aproximadamente 10% dos casos (22). Considerando que a cirurgia de hérnias inguinais recidivadas tem acréscimo de dificuldades técnicas no momento da dissecção, aumento de complicações e custo mais alto, o cirurgião deve ter em mente que a melhor chance de curar o paciente é na primeira intervenção.

Referências
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22. American Hernia Society Symposium ; VII Latin American Congress of Endoscopic Surgery – ALACE ; Miami; july 15th